Trabalho de bandido
A opressão de quem mora em favelas
Resumo
Quem é que define o que é legal e o que é ilegal e crime? Quem é que diz se um trabalho é mais ético que outro? Quem são os verdadeiros bandidos?
Eu jurava que eu tinha já adicionado este assunto à lista de potênciais blog posts mas a verdade é que procurei agora, e não encontrei nada. Mas deste assunto eu já pensei o suficiente, especialmente durante a minha estadia no estado do Rio de Janeiro entre o fim do carnaval, quando o criminoso fez o seu desfile no Copacabana a pedir anistia a quem “lutou” pela democracia no Brasil, quando teve uma guerra no Complexo do Chapadão, quando tanto o Oruan (ou Mauro) e o MC Poze foram presos (e libertos), e no fim com as festas juninas (e julinas). Penso não ter-me esquecido de nenhum acontecimento importante. Fiz a minha vida especialmente em Niterói por causa dos estudos, mas tive oportunidade de passear também na cidade do Rio, e muito pouco na Baixada Fluminense e em São Gonçalo.
Acontece que este foi o assunto da atualidade hoje dia . Ouvi falar dele não sei quantas vezes já. Por isso vou aproveitar o “hype” e escrever.
Opinião de um português que esteve 5 meses a viver no Centro de Niterói.
Começou com ontem (dia ) às 22:44 quando recebi no Signal uma mensagem do meu antigo colega com o link para esta notícia.
«Boa época para ir ao Rio de Janeiro»
«O governo federal disse que não sabia da operação, senão iria impedir que acontecesse»
Este gajo deve pensar que eu ainda estou lá. Either way, por acaso não foi novidade para mim a notícia. Tanto por já ter sido informado desse acontecimento em específico, mas também porque infelizmente, violência policial para quem vive em comunidade é algo que acontece com frequência, a diferença desta vez foi só o tamanho da situação e talvez por isso é que virou notícia global.
Respondi assim para o «impedir que acontecesse»:
«Eu acho que sim. Não estão a matar os líderes, só os trabalhadores»
Tinha-me esquecido que já tinhamos tido uma conversa sobre este assunto. Ele respondeu:
«Não são trabalhadores Joaquim. São bandidos. Tu um dia vais entender essa perpectiva. Mas creio que a operação tenha algum tipo de fundamento, reconhecimento ou tomada de território, ou até mesmo retomar a ordem. Chegar lá e matar só porque sim não é motivo para uma operação»
Não respondi porque sei que a conversa não vai dar em nada.
Então vamos começar!
O meu ponto de vista
Eles estão só a matar trabalhadores muito oprimidos. Se eles eram civis, não involvidos com o Comando Vermelho (ou com qualquer outra facção), eles são oprimidos pelo estado e pela facção, e agora estão mortos. Se eles eram trabalhadores para o Comando Vermelho, eles são oprimidos pelo estado, mas pela sua própria facção também exatamente por serem trabalhadores, assalariados, explorados. Ou eles têm as mesmas riquezas que os líderes da facção? E agora estão mortos. Ambos fazem parte da classe trabalhadora, e ambos são oprimidos pelas mesmas entidades.
Nenhum líder de facção nenhuma foi morto nesta porcaria que aconteceu. E porque será? Acham mesmo que os líderes que estão no topo da hierarquia frequentam o Complexo do Alemão, o Complexo da Penha ou o Complexo da Maré? Acham que eles andam na Zona Norte do Rio e na Baixada Fluminense? Esses gajos têm dinheiro. Se é que vivem no Rio, eles vivem uma vida luxuosa na Zona Sul ou no cu de judas que é a Barra da Tijuca. Ao contrário dos trabalhadores oprimidos que não conseguem sair da sua comunidade.
«Não são trabalhadores Joaquim. São bandidos»
Mas quem é que decide que eles são bandidos? O estado que os oprime e que cria as leis?
Já para não falar que na minha opinião o trabalho deles não é intrinsecamente matar, mas sim proteger os interesses do seu patrão capitalista. Ao contrário do trabalho da BOPE.
E se esse trabalhador se encontrar numa situação em que ele tem que matar, a culpa não é dele, o estado falhou na sua educação, a oferecer melhores oportunidades de trabalho, e não quer acabar com a opressão sistémica de quem é negro, pobre e/ou favelado, e por isso surgem as facções com essa ajuda e negligência do estado. Senão é pôr a culpa no trabalhador por causa do sistema de oprime o trabalhador.
A natureza ilegal das atividades das facções
Tráfico de drogas, extorsão, violência, e outras cenas “ilegais”. Tipo ya, isso não é nada fixe, e vai afetar muito negativamente a própria comunidade do trabalhador, mas sinceramente, no capitalismo, existem tantos trabalhos “legais” que são naturalmente antiéticos.
Trabalhos que involvem destruição ambiental, poluição, exploração de mão de obra (quase todos), que aumentem as desigualdades, bancos com os seus empréstimos, comercialização de produtos prejudiciais à saúde, publicidade, especulação, bélicismo, software proprietário.
A lista continua e a legalidade não equivale a ser ético.
Por isso quase que não importa que tipo de trabalho é quando não são os “criminosos” que fazem as leis, ou pelo menos os “criminosos ilegais”. É o estado opressor que faz as leis e decide quem são os “criminosos”
O impacto direto da violência do crime organizado
Importa se o impacto é direto?
As armas que estão a ser usadas no Congo são chinesas. A China não faz parte do problema então?
Os Emirados Árabes Unidos a ajudar a RSF no Sudão via Chade. Não fazem eles parte do problema também?
Na Républica Centror-Africana onde tens a Rússia a ajudar o governo “legal” e ao mesmo tempo os rebeldes recebem ajuda do Grupo Wagner (russo), dos EAU porque a RSF também ajuda os rebeldes (e provavelmente via Chade também). Aqui até é tão evidente que o estado imperialista russo está a mamar os recursos de tudos os lados daquele país.
A União Europeia e a NATO, então Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos da América, mas também incluindo Portugal, quando ajudam o estado genocida. Não somos nós também parte do problema?
Importa se o impacto é direto, e o quão direto é, no capitalismo?
Comprar uma peça de roupa na H&M pode e vai contribuir para o mal a alguém.
Vivemos num mundo globalizado onde um produto facielmente depende de outro. Por isso é que as taxas que o facista que está a representar os Estados Unidos da América neste momento põe num país que não seja o teu, pode afetar os preços dos produtos no teu país.
Mas e a razão?
Mas voltanto então ao assunto:
«Mas creio que a operação tenha algum tipo de fundamento, reconhecimento ou tomada de território, ou até mesmo retomar a ordem. Chegar lá e matar só porque sim não é motivo para uma operação»
Supostamente estavam à procura de um único gajo, mataram mais de uma centena e desse gajo nada.
Tem fundamento essas mortes? A ordem? O caos? O território? O genocídio dos povos índigenas no Brasil também teve fundamento?
Nem tem como olhar para esta violência de forma legítima só porque a violência vêm do estado. É dar razão para mais violência, e que hoje não é para ti, mas quando tu te sentires parte dos oprimido vamos ver.
A única coisa que realmente conseguiram foi demonstrar o seu poder e que são capazes de matar qualquer pessoa que eles denominem de “bandido”, que hoje são eles, amanhã podes ser tu. É uma ameaça para quem não quer ser oprimido pelo estado. São eles que definem o que é a “ordem” também.
Conclusão
Se trabalhador da facção gera danos a quem pertence à sua vida, é porque o próprio sistema causa danos, e não são os trabalhadores que fazem com que o sistema continue como está.
Quem trabalha para facção é trabalhador, oprimido pelo estado e pela facção (ambos capitalistas). São “bandidos” porque o estado é que define quem o é, mas existem bandidos que são legais.
Os opressores é que definem o que é considerado violência legitima. Neste exemplo, polícias e militares. Na Palestina, A resistência anti-colonial, Hamas, é chamada de terrorista pelos opressores que no entanto são os que realmente estão a causar o terror.
O estado não foi capaz (ou só não quis) de oferecer serviços básicos de segurança, justiça e bem-estar a essas comunidades fazendo-as depender da facções para esses. E mesmo assim, tenho a certeza que a facção está a se cagar. Quando eles fazem uma ponte é para facilitar o lucro ao capitalista, e consequentemente ajuda a comunidade também.
E é triste que provavelmente têm alguns desses trabalhadores que ficariam antes no lado dos capitalistas das facções do que da sua própria comunidade desde que saim a ganhar. Ficam pessoas da mesma classe, da mesma comunidade e origem, uns contra os outros, e quem sai a ganhar com essa divisão é o estado opressor.
Sobre os polícias e militares
Igual aos trabalhadores das facções, também são trabalhadores. Que embora não tenha comparação o número de mortes de cada lado, também morreram pessoas a defender os interesses do estado capitalista, e nenhuma dessas pessoas foi o Cláudio Castro, ou o Eduardo Paes (nomes que sei que estão involvidos na política do Rio de Janeiro, mas não sei os seus poderes).
Mataram pessoas que estão na mesma classe que eles.
Outra vez uns contra os outros enquanto não se aprecebem que o problema é quem está encima (no asfalto), e não em baixo (no morro).
Quem é mais oprimido é sacrificado, mandado morrer.
Igual aos trabalhadores das facções, é triste que provavelmente têm alguns desses trabalhadores que ficariam antes no lado dos capitalistas do estado.
- Eu sou contra a violência policial;
- Eu sou contra as organizações policiais ou militares estatais;
- Eu estou do lado dos trabalhadores, tanto os das facções como os das organizações policiais ou militares estatais;
- Eu sou contra os líderes, tanto das facções como do estado;
- No lado dos oprimidos, contra os opressores.
«Só acontece no Brasil»
Qual parte? A opressão e violência do estado a minorias e grupos marginalizados? Ou a divisão da classe trabalhadora, oprimido contra oprimido, e o opressor fica a dividir mais.
Portugal ainda neste mês baniu a «utilização, em espaços públicos, de roupas destinadas a ocultar ou a obstaculizar a exibição do rosto». É o estado portugês a controlar o cidadão, maioria neste caso, mulheres mulçumanas imigrantes, mas claramente isto ajuda a controlar qualquer cidadão quando depois existirem câmaras com reconhecimento facial para qualquer lugar que vás.
Criaram divisão e xenofobia entre os oprimidos, distraindo-os sobre as outra propostas que afetam todos, como o novo orçamento de estado.
E prontos, usar burqa ou niqab em Portugal é ilegal como trabalhar para uma facção no Brasil, enquanto existem entidades que estão a matar pessoas legalmente.
O nosso inimigo é o mesmo.