Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres
25 de novembro
Resumo
Uma crítica ao patriarcado e as estruturas que permitem opressão no mundo.
Violência de género não tem bordas. É necessário uma intervenção coletiva e internacionalista.
Ontem, dia 24 de novembro de 2025, recebi um e-mail de manhã sobre o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres:
Bom dia
Esta é a semana em que se assinala o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, uma data estabelecida pela ONU para alertar sobre a violência física, psicológica, sexual e social que afeta as mulheres: 25 de novembro. Só nos primeiros seis meses do ano foram assassinadas, em Portugal, 13 pessoas em contexto de violência doméstica. Onze eram mulheres. A GNR e a PSP receberam, no mesmo período, mais de 18 mil denúncias, identificando mais de 21 mil vítimas. Em média, foram registadas quatro queixas hora, 102 por dia. A violência doméstica continua a ser o crime mais denunciado e o que mais mata em Portugal.
O Projeto Escolas Transformadoras no IPBeja, associa-se e divulga os eventos que em Beja têm lugar.
ESTIG – pelas 11h30, na sala H20: Aula aberta “Violência contra as mulheres-novos tempos, velhas práticas”.
Praça da Républica – Portas de Mértola – pelas 18h: Marcha pelo fim da violência contra as mulheres. A iniciativa tem início pelas 18h00, na Praça da República, passa pelo Largo do Museu, Jardim do Bacalhau e termina nas Portas de Mértola.
Uma boa semana, Escolas Transformadoras.
Vou falar sobre violência de género.
Quem está a falar
Eu sou um homem cisgénero heterossexual.
Tento sempre agir fora o sistema patriarcal. Apesar da minha introdução no parágrafo acima, acredito que exista fluidez (sou contra a conformidade de género e heteronormativismos) e que por é inútil ter que usar aqueles termos todos para separar pessoas por género, sexualidade e/ou expressão de género — o que o objetivo para a sociedade seria que usar esses termos deixasse de fazer sentido.
Violência de género no mundo
Está presente em todo o lado e não é exclusivo a Portugal.
Na atualidade, os casos “mais extremos” de que consigo pensar é a situação na África do Sul, na Etiópia (especialmente com as mulheres da etnia Tigray), e no Afeganistão (onde os Talibãs implementaram um apartheid</i> contra as mulheres). Mas existem muitos mais.
Acho que tinha sido o ano passado, lembro-me de aprender pela amnistia internacional (acho eu) que 1 em 3 mulheres no mundo todo já sofreram violência doméstica. E é quase sempre violência do homem contra a mulher.
A realidade é que a razão para a violência não têm a ver com a nacionalidade, raça, etnia ou cultura (incluindo a religião) do agressor, mas sim o facto de ele ser homem.
E por isso, e com toda a razão, as mulheres não gostam dos homens, devido ao sistema patriarcal. Agora os homens, não gostam das mulheres, e matam-nas até, apenas porque elas são mulheres.
A violência não é só contra mulheres, mas contra tudo o que não é homem, e quanto mais longe de homem, maior a violência. Da mesma forma que o racismo não é sobre a pessoa ser negra, mas sim sobre ela não ser branca.
Afeganistão (Talibãs)
O regime atual existe com um apartheid de género insano. As mulheres (e meninas) não têm a possibilidade de estudar ou trabalhar no que quiserem, criando dependência nos opressores. Elas são obrigadas a vestir-se da forma que o opressor quer.
África do Sul
Descobri recentemente (graças aos atuais protestos no país, que se têm espalhado para os países vizinhos) que é dos países com maior taxa de femicídio no mundo. As mulheres fizeram greve para dizer ao mundo que mais ou menos 15 mulheres morrem diariamente devido a violência de género, 5 vezes mais que a média global.1
Etiópia (Tigray)
Estão em guerra. Descobriram que soldados da Etiópia e Eritreia (homens) praticam mass rape, escravidão sexual, gravidez forçada e tortura sexual nas mulheres e crianças Tigray (chegou a afetar 10% das mulheres).2
Portugal
Já dizia no e-mail:
«Só nos primeiros seis meses do ano foram assassinadas, em Portugal, 13 pessoas em contexto de violência doméstica. Onze eram mulheres. A GNR e a PSP receberam, no mesmo período, mais de 18 mil denúncias, identificando mais de 21 mil vítimas. Em média, foram registadas quatro queixas hora, 102 por dia. A violência doméstica continua a ser o crime mais denunciado e o que mais mata em Portugal.»
Partilho também este caso de violência de género em Portugal.
De onde vem a violência
Qual seria a explicação para os homens odiarem tanto as mulheres que chegam a matar?
Quando alguém que não é homem, age de forma que o homem não entende, dizendo “não”, pedindo igualdade de género, independência, rejeitando os papéis de género, eles sentem-se magoados e confusos porque não foi isso que a sociedade o ensinou.
O patriarcado ensina que o homem tem autoridade máxima em quem não é homem, que ser homem é ser controlador e que se alguém quer autonomia de ti és um homem menos homem, que receber um “não” é desrespeitoso, que ser vulnerável é ser fraco. Que o homem é especial, merece uma mulher bonita, que é desejado pelas mulheres, tem que ser o homem da família, que impõe respeito.
É isto que cria os incels, misoginia, masculinidade fascista, e femicídios
É que na realidade os homens dependem das mulheres, emocionalmente, para o trabalho doméstico, sexualmente, … Mas como dependência não é visto como algo de homem, os homens fecham os olhos e ao invés disso, controlam a pessoa de quem eles dependem como o patriarcado defende, que a mulher, o seu corpo, o seu trabalho, está na posse do homem.
Depois quando o oprimido quer deixar de o ser, o opressor não aguenta com a ideia de perder esse controlo (como se alguém estive a roubá-lo algo) porque vai ser humilhado (já que se não tens poder, não és homem), e que isso seria um desrespeito da parte do oprimido. Se a mulher resiste à ideia de ter filhos, de trabalhar em casa, sair da ideia de família do patriarcado, cria limites, têm a ideia de sair da relação abusiva, a violência em todas as suas formas possíveis vai aparecer: físico, sexual, emocional, psicológico, financeiro, verbal (ameaças), isolamento social.
25 de abril de 1974 e 25 de novembro de 1975
Por acaso, as datas coincidem. Faz hoje 50 anos desse acontecimento, e existem pessoas a querer celebrar, como se a data fosse tão (senão mais) importante quanto a revolução dos cravos. Foi o evento que não permitiu que as pessoas que não são homens, oprimidos, agora só pudessem lutar a partir do parlamento, o parlamento que defende o patriarcado. Quem apoiou essa contra revolução foi também o patriarcado da igreja católica fascista, que já se mostravam bastante descontentes com a revolução. Eram eles que tinham problemas com relações antes do casamento, que tratavam a sexualidade e natureza de alguém não homem como algo impuro, que viam as mulheres como tendo o único dever de serem mães.
Dos mesmos partidos que querem celebrar o 25 de novembro são onde existem as pessoas que, abertamente ou tentando esconder, apoiam políticas machistas, sexistas, queer-fóbicas3, LGBTQIA+fóbicas4 e/ou patriarcais, reacionárias. Um nojo de pessoas, a qual são a favor da castração química para pedófilos, guardiões das crianças, mas depois são pedófilos, hipocrisia.
Os direitos das mulheres começaram a aparecer graças à revolução de abril. Durante a ditadura do Estado Novo, nem quero imaginar como era o acesso a contracetivos e à interrupção voluntária da gravidez. As mulheres eram desencorajadas a seguir os estudos, e encorajadas a ficar em casa e obedecer ao marido, fazendo trabalho doméstico não pago e criando dependência no opressor (homem). Simplesmente não podiam trabalhar sem a autorização do opressor, que era também quem controlava o dinheiro da mulher. Boa sorte com os divórcios. Essa relação com o trabalho doméstico não renumerado e outros trabalhos desvalorizados prevalece com o capitalismo, quem queiramos quer não. Aliás, o capitalismo ganha quanto maior for a exploração, e neste caso a exploração é enorme. E com estas novas políticas, pacote laboral, orçamento de estado, a situação só piora.5 E quem é mais prejudicado são as mulheres, porque assim o patriarcado diz. O capitalismo não desafia de maneira alguma o patriarcado que só se vai adaptando ao contexto atual. Aliás, todos estes sistemas de opressão e divisão do ser humano, capitalismo, racismo, sexismo, andam de mão dada criando privilégios apenas para alguns. E para acabar com a opressão de um, temos que acabar com a opressão do outro também. Só estaremos livres quando estivermos todos livres. Não é como o que aconteceu em Burkina Faso recentemente, pela primeira vez tornaram ilegal a homossexualidade. Libertaram-se dos imperialistas franceses e NATO, mas agora oprimem as comunidades queer. Mas também o país livrou-se de uns imperialistas para receber outros (Rússia), então não era de esperar grandes mudanças lá realmente. Isto é um problema internacional e coletivo, não basta falar do que acontece no teu país. E também não podemos nem devemos depender do nosso estado, leis, e comunicação social para fazer algo. São esses que normalizam os sistemas de opressão. Aliás, vimos faz pouco tempo a disponibilidade da RTP em normalizar estas ideologias.6 E sabemos como está o cenário dos comentadores dos média em Portugal e como só tem vindo a intensificar-se7 embora ouças pessoas dizerem que os noticiários, jornais, são de esquerda. Talvez porque contam a verdade ao invés de propagar desinformação. Temos que nos organizar como pessoas, não para dar direitos a quem não é homem, mas para acabar com os sistemas que deixam os homens no poder.
Hoje, são as mulheres quem mais ingressam no ensino superior. Também vemos maior diversidade de género em diferentes setores de trabalho. Mas estes direitos como vemos não se traduzem em poder. Continua a existir uma falta de representação feminina em cargos mais “importantes”. Trabalho doméstico continua a ser desvalorizado. Educação igual não se traduz em salários iguais, continua a existir uma diferença entre os salários dos homens e o das mulheres.
O capitalismo também é capaz de tornar o corpo humano num produto. Por isso temos pornografia, tráfico de humanos, … e quem perde mais com isto outra vez, é quem não é homem.
O que seria necessário para acabar com esta diferença, a meu ver, era acabar com todas as formas de autoridade: seja através da ditadura do proletariado, passando para o comunismo e acabando com o estado (que cria hierarquias e autoritarismo) o mais rápido possível, ou ir por uma rota anarquista eliminando logo todos os sistemas de autoridade. Isto a nível internacional, sem bordas.
Catarina Eufémia
Catarina Efigénia Sabino Eufémia, era mãe com 3 filhos, trabalhava na área da agricultura. Durante uma greve por melhores salários, em 1954, foi morta a tiro pela GNR. Foi vítima de classe e de género. Demonstra como o patriarcado não gosta quando as mulheres saem do “seu lugar”.
O papel das mulheres na revolução de abril
Não estava lá para ver. Mas do que ouvi dizer, normalmente a PIDE achava os homens uma maior ameaça e por isso as mulheres eram menos vistas como um perigo. Por isso faziam muito trabalho organizativo, transporte e segurança de cartas e documentos importantes, tudo na clandestinidade.
Durante a revolução fizeram também a sua parte. Lutaram para a legalização do aborto, acesso a contracetivos, salários iguais, o fim da cena de “chefes de família”, reconhecimento da violência doméstica, e lutaram pelo fim das ideologias católicas e conservadoras e lutaram pelo “pride” sem julgamentos.
Fez pouco tempo o 50.º aniversário da reforma agrária em Portugal, e teve uma conferência “A Reforma Agrária: 50 Anos Depois” no “Clube UNESCO Beja”, veio José Soeiro e Fernando Oliveira Baptista. Adorava lembrar-me certinho o que foi dito, mas acreditem que as mulheres também tiveram um papel muito importante durante a reforma agrária. Ocuparam terras, criaram coletivas, participaram na real democracia e organizavam-se.
A revolução na Guiné-Bissau (Guerra da Libertação)
A revolução de abril não teria acontecido sem o papel importante das então colónias. Lá, com a vinda dos europeus e do catolicismo, o patriarcado veio junto e nota-se.
Falando da Guiné-Bissau, sei que, por exemplo, nos Bijagós, era praticado um sistema mais para o matrilinear e imagino que o mesmo acontecesse entre outras etnias da região. Mas os portugueses acabaram esses sistemas em favor do catolicismo e patriarcado, tirando a autoridade que as mulheres tinham e pondo em homens que antes talvez nem tinham autoridade nenhuma, implementando parecido ao que existia em Portugal. Com certeza fizeram os que faziam às “bruxas” na Europa. Também, violaram as africanas.
Durante os momentos de resistência colonial. As mulheres combateram nas guerrilhas. Foram líderes. Existem os exemplos de Teodora Inácia Gomes, e de Ernestina Titina Silá. Esta última, no aniversário da sua morte, é celebrado o Dia Nacional da Mulher Guineense. Ela foi morta afogada pelos portugueses, quando estava em direção ao funeral de Amílcar Cabral. Similiar coisa acontece no Dia da Mulher Moçambicana, celebrado no dia da morte da revolucionária Josina Machel. Eram organizadoras políticas que educavam contra o colonialismo e contra a exploração do Homem pelo Homem. Lutaram para acabar com casamentos forçados, poligamia, a hierarquia de género imposta pelo colonialismo, o patriarcado. A mesma situação que as mulheres em Portugal passavam, era pior nas colónias porque existia mais esse nível de opressão.
A libertação não conseguiu completar-se também, e a situação não tem melhorado após o golpe de estado que teve em 1980. Hoje usam o catolicismo e o islamismo para manter o patriarcado, a representação de não homens na política é pouca.
Pessoas más
O patriarcado e o capitalismo são sistemas que permitem pessoas más e protegem. Especialmente na presença de hierarquias e burocracia.
Recentemente vi o vídeo de YouTube do anarquista Adrewism “Can Anarchy Protect Us From Bad People?”. Ele classifica uma pessoa má como alguém que:
- Consistente e deliberadamente magoa outros;
- Ignora consentimento;
- Recusa responsabilidade;
- Defende sistemas de dominação;
- Encontra prazer na morte e sofrimento dos outros;
- Aproveita qualquer tipo de autoridade para dominar outros com impunidade;
- Aqueles que usam e abusam outros, seja sexualmente ou de qualquer outra forma.
Então, patrões, polícias, militares, senhorios, fascistas, líderes religiosos, todos estão categorizados como pessoas más.
Mas lá também está a maioria dos homens graças ao patriarcado, como namorados abusivos. Quando o homem controla a mulher, e a mulher perde autonomia. Este até é um ponto que pensei recentemente até antes do vídeo: deixar de dizer “eu quero ter filhos” e ao invés dizer “eu quero ser pai”. A primeira forma reproduz a ideia de que alguém te pertence e por isso tu o controlas, tirando a sua autonomia, e o segundo foca-se na relação entre mim e o outro.
Obediência não pode ser normalizada, não podemos ser punidos por vulnerabilidades que não somos nós que criamos, violência não pode ser legitimada e continuar com a ideia que masculinidade equivale a controlo tem que acabar.
O objetivo não pode ser que quem não é homem tenha representação no poder. Não pode ser regular sistemas autoritários com leis e castigos. Para acabar com as pessoas más temos que acabar com os sistemas autoritários e tudo aquilo que recompensa o domínio do Homem pelo Homem (capitalismo). O voto só traz reformas (que não deixam de ter algum valor), mas não dá para chegar ao objetivo final.
Footnotes
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https://www.theguardian.com/society/2025/nov/22/south-africa-g20-protests-gender-based-violence-national-disaster ↩
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https://www.theguardian.com/global-development/2025/jul/31/mass-rape-forced-pregnancy-sexual-torture-in-tigray-ethiopian-eritrean-forces-crimes-against-humanity-report#:~:text=capital%20Mekelle%20was%20decimated,were%20raped%20during%20the%20conflict ↩
-
https://poligrafo.sapo.pt/fact-check/montenegro-assinou-declaracao-de-voto-em-2004-que-associava-homossexualidade-e-abuso-sexual-de-menores-recorda-se-no-facebook/ ↩
-
https://poligrafo.sapo.pt/fact-check/psd-votou-ao-lado-do-chega-contra-a-criminalizacao-de-terapias-de-conversao-sexual/ ↩
-
https://www.abrilabril.pt/nacional/se-violencia-sobre-mulheres-nao-conhece-limites-nos-abrimos-um-novo-caminho ↩
-
https://poligrafo.sapo.pt/fact-check/o-25-de-abril-e-o-verdadeiro-dia-das-mentiras-estes-tweets-atribuidos-a-novo-comentador-anunciado-pela-rtp-foram-mesmo-publicados/ ↩
-
https://medialab.iscte-iul.pt/wp-content/uploads/Comentario_2023_Final_Pub_7Mar2024.pdf ↩